quinta-feira, 19 de março de 2009

Larry Flynt - "O pornográfico".



Você conhece ou já ouviu falar de Larry Flint?

Sentado em sua cadeira de rodas de ouro, é isto mesmo o que você entendeu: CADEIRA DE RODAS DE OURO, tudo bem, pode ser que seja banhada à ouro vai ... Polêmico e um dos maiores imperadores da indústria pornográfica dos EUA, Larry, caminha pelas ruas de Los Angeles, rodeado por seus seguranças.

Por meio de uma entrevista para o jornalista Osmar Freitas para a Revista Época, conheça um pouco da história deste paraplégico que fez história:

Pornógrafo, graças a Deus Dono de um império erguido com a revista masculina Hustler, o editor Larry Flynt vira tema de filme e mantém a polêmica em torno de seu nome.

Larry Flynt, 55 anos, o editor da revista masculina Hustler, é a imagem do sucesso à americana. Ele trafega pelas ruas de Los Angeles - onde está ancorado o seu quartel-general - dentro de uma enorme limusine decorada com luminárias Lalique no valor de US$ 100 mil cada uma.

Quando sai do carro, sempre acompanhado de uma enfermeira atraente e atenciosa, entrona-se numa cadeira de rodas feita de ouro maciço conduzida por um guarda-costas tipo peso pesado. Este editor, embora amaldiçoado por feministas e religiosos, é a materialização do êxito esculpido pela pornografia. Um êxito que não se traduz apenas em dinheiro, mas também em prestígio. A tortuosa vida do pornógrafo foi agora escolhida por Hollywood para ser traduzida no filme O povo contra Larry Flynt (cartaz nacional), do diretor tcheco radicado nos Estados Unidos, Milos Forman, com produção de Oliver Stone. O povo contra Larry Flynt ganhou o Urso de Ouro de melhor filme no Festival Internacional de Cinema de Berlim e recebeu duas indicações ao Oscar. Uma de melhor diretor e outra de melhor ator para Woody Harrelson, que faz o papel principal.

Para construir sua saga e se posicionar no nicho de ídolo, contudo, o verdadeiro Larry Flynt pagou caro. No dia 6 de março de 1978, à frente da corte da cidade de Lawrenceville, na Geórgia, ocasião em que respondia a um dos mais de mil processos movidos contra ele e sua revista Hustler, Flynt sofreu um atentado à bala. Foi alvejado duas vezes. Os projéteis vieram do rifle de um racista branco, de nome Joseph Franklin. Os impactos dilaceraram sua espinha, condenando-o a uma vida sobre cadeira de rodas. As dores posteriores o viciaram em drogas. Sua mulher Althea - a quarta e considerada sua alma gêmea - também o acompanharia no terrível hábito, com consequências fatais. Viciada em heroína, ela morreu em 1987, contaminada pela Aids. No correr da construção de um império, e do purgatório pós-atentado, Larry Flynt ainda teve de se debater nos tribunais. Neste front nem todas as batalhas foram gloriosas. Numa em especial, a considerada vital na guerra pela liberdade de expressão nos Estados Unidos, Flynt foi o vencedor.
Em 1983, Hustler publicou a paródia de um anúncio do Campari tendo o reverendo Jerry Falwell - um bastião da moralidade da extrema direita naquele país - como vítima. A publicidade brincava com a perda da virgindade de Falwell através do incesto com a mãe. O processo movido pelo pastor demorou vários anos e teve lances espetaculares, até que em 1988 a Suprema Corte dos Estados Unidos deu ganho de causa a Flynt. Mas a vida do polêmico editor é bem mais rica, em todos os sentidos. Sobre ela Larry Flynt falou a ISTOÉ durante um almoço no restaurante Joss, de Los Angeles.

ISTOÉ - O filme de Milos Forman faz justiça ao sr.?
Larry Flynt - É evidente que não se pode resumir uma vida no intervalo tão curto de um filme. Mas acredito que foi possível colocar a essência da minha luta em prol da liberdade de expressão dentro da obra.

ISTOÉ - O ator Woody Harrelson foi indicado para o Oscar deste ano. Ele merece? É possível ver nele o autêntico Larry Flynt?
Flynt - Woody está perfeito. Nós conversamos muito, antes e durante as filmagens, e ele realmente conseguiu fazer um bom clone de mim. Até agora continuamos amigos e saímos juntos. Nós desenvolvemos uma amizade que vai além do filme. Mas foi Courtney Love quem mais me surpreendeu. Ela é um autêntico fenômeno. Sou capaz de enxergar nela a Althea. Nunca vi uma personificação tão completa. Courtney é primordialmente uma roqueira, eu não esperava que fosse tão boa atriz. Ela é o que há de mais próximo da reencarnação de Althea.

ISTOÉ - Em 1988 a Suprema Corte dos Estados Unidos lhe deu vitória unânime no processo movido pelo reverendo Jerry Falwell. O sr. sabia que iria ganhar?
Flynt - De modo algum! Eu sou uma pessoa muito difícil de ficar impressionada com alguma coisa e naquele dia entrei em choque. Pense bem. Eu havia entrado naquela mesma corte (em 1983) e gritado obscenidades aos juízes. Ninguém anteriormente havia xingado os juízes supremos da nação. Eu achava que iria perder e se perdesse também teria sido uma enorme derrota para a liberdade de expressão no país.

ISTOÉ - Há quem considere o seu julgamento como o mais importante envolvendo imprensa e liberdade de expressão nos Estados Unidos. Mas há quem, como o editor Bob Guccione (da revista Penthouse), por exemplo, não concorde. Guccione alega que esteve em dezenas de outros julgamentos tão importantes quanto este e teve ganhos muito mais importantes para o país. O que o sr. tem a dizer sobre isso?
Flynt - O Guccione está com dor- de-cotovelo porque ninguém quis fazer um filme com ele. Ele é metido a produtor, sempre quis entrar no mundo de Hollywood. Mas, no final, os pesos pesados da indústria do cinema, Oliver Stone e Milos Forman, escolheram a minha história para filmar. E sabe por quê? Simplesmente porque o meu caso foi aquele que garantiu a liberdade de expressão neste país. A liberdade até para Bob Guccione falar as bobagens que fala.

ISTOÉ - Depois deste filme o sr. está sendo saudado como herói. Qual é a sua reação diante desta nova situação?
Flynt - Muito antes deste filme já havia bastante gente que me considerava um herói. Gente que conhece a luta pela liberdade de expressão neste país tende a me considerar um herói. O filme simplesmente levou este conceito para um número maior de pessoas. Eu tenho dito, no entanto, que não me vejo como um herói. Acho até que heroísmo é sempre o último ato de um covarde. Não comecei o meu caminho pensando em me tornar um herói. Nesta caminhada, perdi minhas pernas. Eu jamais teria aceitado trocar minhas pernas por qualquer outra coisa. Nem mesmo pela liberdade de expressão. Não repetiria por nada esta experiência dolorosa da minha vida.

ISTOÉ - Por que motivos o sr. começou esta caminhada a que se refere?
Flynt - No começo, tudo o que eu desejava era ganhar dinheiro e me divertir muito. Estas eram minhas motivações. Eu comecei com um bar de strip-tease, em Ohio. O meu estabelecimento já se chamava Hustler e era único. Um reino de prazer, onde valia tudo. As meninas dançavam, muitas vezes nuas - o que era contra a lei - e acabavam transando com alguns dos fregueses. Ali o homem comum, aquele que não tinha muito dinheiro ou charme, podia encontrar diversão e prazer. Sem querer, me transformei numa espécie de Hugh Hefner (criador da revista e dos clubes Playboy) dos pobres. Minha vantagem é que eu era real, enquanto Hefner só existia para uns poucos afortunados e na fantasia de todos. Minha fórmula era tão boa que o sucesso veio rapidamente. Em menos de dois anos eu tinha uma cadeia de bares semelhantes espalhados por Ohio. Foi aí que resolvi publicar uma revistinha também chamada Hustler com fotos das dançarinas nuas. O preço de capa era US$ 1,25, e as vendas transformaram a publicação em meu melhor empreendimento. O resto é história.

ISTOÉ - Espere um momento: o que dizem é que a sua revista não vendia tanto. Foi só depois de o sr. publicar as fotos de um paparazzo italiano mostrando Jacqueline Kennedy Onassis nua na ilha de Skorpios é que os negócios deslancharam. Não é verdade?
Flynt - A Hustler já era um sucesso desde o lançamento em 1974. Você tem de se lembrar que, naquele tempo, ninguém mostrava fotos tão explícitas e escrevia artigos mais ousados do que nós. A edição da Jackie Onassis saiu em 1975 e nós faturamos US$ 6 milhões - o que é ainda mais espantoso considerando os valores da época. Mesmo assim, a revista já era, havia vários meses, o mais rentável de meus empreendimentos. Seu faturamento anual era de US$ 30 milhões. Devo concordar, porém, que a edição de Jackie O. foi uma alavanca poderosa. Depois dela, passamos a vender 1,5 milhão de cópias por edição.

ISTOÉ - O componente escandaloso sempre foi uma das chaves do sucesso de Hustler. O sr. acha que nesta época em que vivemos a revista continua chocando? A pornografia ainda é capaz de chocar?
Flynt - Para muitas pessoas, HustlerM continua tão provocativa quanto antes. Para a Igreja, por exemplo, o material editorial de Hustler continua sendo sinal de pecado. Há dois mil anos a Igreja mantém sua mão nas virilhas das pessoas. Aliás, não são apenas os cristãos, de qualquer denominação, que se sentem ofendidos. Judeus e muçulmanos também ficam escandalizados. Os religiosos são dogmáticos e não admitem pontos de vista contrários aos seus. Minha revista provoca e ameaça estas convicções. Graças a Deus!

ISTOÉ - O sr. acaba de evocar o nome de Deus em vão. Houve um tempo em que suas convicções eram outras, de fervorosa fé religiosa. Qual a explicação para esta guinada?
Flynt - Eu sempre procurei ficar próximo de Deus.

ISTOÉ - Parece que o sr. conseguiu ficar bem próximo d'Ele certa ocasião, exatamente quando estava nas nuvens, dentro do avião cor-de-rosa que comprou de Elvis Presley. Como foi essa história?
Flynt - Eu falo pouco sobre essa minha experiência. Não gosto de dividir aquele momento (setembro de 1977). Em poucas palavras, o que aconteceu foi uma visão que tive de Jesus Cristo.

ISTOÉ - Dentro do avião de Elvis?
Flynt - Dentro de meu avião. Eu já o havia comprado. Em minha companhia estava Ruth Carter Stapleton, irmã do ex-presidente Jimmy Carter. Eu caí de joelhos e comecei a rezar. Naquele dia, resolvi parar de fazer sexo.

ISTOÉ - A irmã do presidente Carter voava sempre com o sr.?
Flynt - Sim, nós éramos amigos e tínhamos interesses comuns. Eu era dono do jornal Plains Monitor, o diário mais importante da cidade onde nasceu Jimmy Carter. E a irmã dele, uma evangelista conhecida, logicamente se relacionava com o dono do jornal. Nós passamos a fazer várias obras de caridade juntos e a abraçar várias causas em que acreditávamos. Ficamos tão amigos que ela um dia me disse que sonhava sempre que estava tendo relações sexuais com Jesus Cristo.

ISTOÉ - Depois de ter uma visão de Jesus Cristo e de decidir não mais fazer sexo houve alguma tentação quanto aos prazeres da carne?
Flynt - Nunca houve esta volta. Não no sentido a que você se refere. Seguindo minha decisão pela castidade, fiquei seis meses sem ter relações sexuais. Depois disso sofri o atentado que me paralisou. Além de perder as pernas, fiquei impotente e com incontinência urinária.

ISTOÉ - O homem que o alvejou, Joseph Franklin, ainda está na cadeia, embora tenha recebido a pena capital por outro crime que cometeu. Recentemente, ele declarou que não tinha rancores contra o sr. e acha que foi bobagem alvejá-lo. O que o sr. tem a dizer a ele?
Flynt - A única coisa que posso fazer é mandá-lo para o inferno. Não é ele quem tem de ter rancores. Eu tenho este direito.

ISTOÉ - O sr. se considera um homem amargurado?
Flynt - Nem um pouco. Sou uma pessoa feliz, que tem tudo o que deseja. Estou sentado numa cadeira de rodas de ouro. Quando quero ir a algum lugar, as pessoas me levam. Estou sempre muito bem acompanhado - Liz (Berrios, sua enfermeira e confidente) está sempre comigo. Conheci celebridades do porte de Marlon Brando. Durante muitíssimos anos, tive mais mulheres do que qualquer homem que eu tenha encontrado. Todas as dançarinas dos bares Hustler estavam à minha disposição. Dia após dia, eu me deitava com meninas com idade de até 15 anos. Já fiz sexo demais. Agora, quando desejo ir comer num restaurante especial em Nova York, meu avião a jato me leva até lá e tem sempre uma limusine me esperando no aeroporto. Em minha casa, estou cercado de objetos valiosíssimos. Sou o maior colecionador americano de luminárias Lalique (peças decorativas em vidro num estilo criado pelo francês René Lalique - 1860-1945). Nenhum museu tem itens tão espetaculares quanto os meus. Em minha escrivaninha, estou ladeado por dois pequenos abajures que custaram US$ 1,5 milhão. Sinto prazer só em olhar para essas peças. Não, não sou um homem amargurado.

ISTOÉ - Quais são os limites da liberdade de expressão?
Flynt - Não há limites. Os direitos garantidos pela primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos são absolutos. Não existe meia liberdade de expressão, assim como não existe meia virgem. Os fundadores deste país escreveram: "O Congresso não poderá fazer nenhuma lei que coíba a liberdade de imprensa." Eles não criaram condições especiais para os (Jerry) Falwell da vida. E eu acho que liberdade de expressão, em qualquer parte do mundo, deve seguir os mesmos princípios. Ou existe o absolutismo da liberdade, ou não existe liberdade.

Por OSMAR FREITAS JR., DE LOS ANGELES.

Um comentário:

Anônimo disse...

nunca vi a hustler , mas posso dizer do filme, que é triste e comovente...o homem ali retratado é de uma vontade de ferro!